segunda-feira, 9 de março de 2009

MA Social da Língua

O ecossistema social da língua, ou seja, o todo formado pela língua e a sociedade, é o mais conspícuo dos três. A tal ponto que Haugen (1972: 325) chegou a afirmar que "o verdadeiro meio ambiente da língua é a sociedade que a usa como um de seus códigos." Na verdade, a maioria dos ecolinguistas atuais segue essa linha, como é o caso de Fill (1993), Mühlhäusler (2003), Calvet (1999), bem como da maioria dos colaboradores das antologias publicadas até hoje (cf. Fill & Mühlhäusler, 2001; Fill, Penz, Trampe, 2002). Os trabalhos que não tratam desse MA, em geral se dedicam a questões epistemológicas da disciplina. Com isso não estou menosprezando esses trabalhos, mas apenas salientando a tendência geral nos estudos ecolinguísticos. Só para repetir, a sociedade, ou seja, os membros de P organizados socialmente, constituem o MA social da língua.
Entre os assuntos que têm sido estudados sob essa rubrica, poderíamos mencionar o discurso ambiental, o discurso dos poluidores que querem passar-se por ambientalmente corretos, o antropocentrismo, o etnocentrismo, o androcentrismo (machismo), bem como as idéias de desenvolvimento e o correlato de grandeza, de acordo com o qual o bom é crescer, tornar-se "grande." Nas sociedades ocidentais, não é bom ser pequeno, é preciso "desenvolver", a qualquer custo (para o MA). Mas, os ecolinguistas dessa orientação defendem também a diversidade linguística (linguodiversidade), juntamente com a diversidade biológica (biodiversidade). É o caso das línguas minoritárias, dos dialetos e outras variedades linguísticas. Enfim, eles defendem a diversidade, no sentido mais amplo do termo.
Como está implícito em Haugen, os assuntos tradicionalmente tratados nesse contexto antes da emergência da ecolinguística são objeto da sociolinguística, tais como o multilinguismo (que inclui o bilinguismo), a variação linguística e o contato de línguas. Os estados que têm muitas línguas em seu território precisam decidir (e impor) uma língua estatal ou oficial. Isso é um dos tópicos do planejamento linguístico, ao qual o próprio Haugen dedicou vários estudos.
Experiências individuais que ficassem restritas ao indivíduo, ou seja, que não fossem compartilhadas com outros indivíduos da comunidade, desapareceriam. Individualmente, elas poderiam até persistir por muitos anos, mas não seriam fenômenos de L. Tanto que, assim que o indivíduo morre, essas experiências morrem com ele.
É o ecossistema social da língua, juntamente com o respectivo MA, que mais aproxima a ecolinguística e a análise do discurso. Como já foi mencionado acima, muitas questões estudadas pela última são-no também pela primeira. Nas duas seções seguintes vou discutir duas delas, ou seja, a linguagem preconceituosa e a linguagem dos poluidores e devastadores do meio ambiente que querem se passar por ambientalmente corretos.

Referências
Calvet, Louis-Jean. 1999. Pour une écologie des langues du monde. Paris: Plon.
Fill, Alwin & Peter Mühlhäusler (orgs.) 2001. The ecolinguistics reader. Londres: Continuum.
_______, Hermine Penz & Wilhelm Trampe (orgs.) 2002. Colourful green ideas. Bern: Peter Lang.
Mühlhäusler, Peter.. 2003. Language of environment - Environment of language: A course in ecolinguistics. Londres: Battlebridge.

MA Mental da Língua

Apesar do nome "meio ambiente mental da língua", a mente é apenas um dos constituintes desse MA de L. Na verdade, ele compreende o sistema nervoso central e o periférico. O primeiro é composto pelo encéfalo e a medula espinhal ou raquidiana. O encéfalo é formado pelo cérebro, o cerebelo, o tálamo, o hipotálamo e o tronco encefálico. O cérebro, para o que aqui interessa, se subdivide em hemisfério direito e hemisfério esquerdo. O sistema nervoso periférico, constituído pelos nervos e gânglios nervosos, também se inter-liga ao cérebro ou ao encéfalo em geral, pois é ele que estabelece comunicação do indivíduo com o MA natural. Assim sendo, talvez o melhor termo para esse MA da língua fosse "MA cerebral", "MA encefálico" ou "MA nervoso." No entanto, temos também a mente. Embora lexicólogos, psicólogos e filósofos não tenham chegado a um acordo sobre como defini-la, emprego-a no sentido de "funções cerebrais", que emergem da neurologia do cérebro, sem entrar nos detalhes da sua conceituação. Como está associada a "mente", achei melhor manter a denominação "MA mental", inclusive porque ele já tem uma longa tradição na gramática gerativa. Esse MA intermedeia o MA natural e o MA social da língua, no sentido de que, da perspectiva do cérebro, ele faz parte do MA natural e, da perspectiva da mente, de certa forma se direciona para o MA social (ou psicossocial).
O MA mental da língua é um dos mais difíceis de se estudar, quando não pelo fato de requerer aparelhagem sofisticada. Ele é o locus imediato da língua. Vem sendo estudado parcelarmente por ciências como a neurolinguística e outras neurociências, pela psicolinguística, pela biolinguística e pelo conexionismo, entre outras ciências. A neurolinguística, por exemplo, investiga processos de aquisição (formação), processamento e desestruturação da linguagem.
Infelizmente, ainda sabemos muito pouco sobre o modo como a língua é formada, armazenada, processada e transformada no cérebro. Até hoje ainda não se chegou a uma compreensão plena de quais são os mecanismos cerebrais que estão envolvidos, por exemplo, no uso dos sons, do léxico, da morfologia, da sintaxe e outros aspectos da língua. No entanto, alguma coisa valiosa já sabemos. Uma delas diz respeito à localização dos processos linguísticos, a lateralização, descoberta por Pierre Broca (1824-1880). Ele foi o primeiro investigador a constatar a dominância do hemisfério esquerdo na articulação da língua. Por "dominância" deve-se entender que os processos linguísticos se dão preferencial e majoritariamente nesse hemisfério, o que não significa que o hemisfério esquerdo também não seja ativado de alguma forma. Talvez pelo fato de que, como constatara ainda Broca, produzir e entender linguagem envolvem tarefas cognitivas diferentes. Carl Wernicke (1848-1905) concluiu que as imagens sonoras estavam localizadas no lóbulo temporal esquerdo, posterior ao córtex auditivo primário.
As pesquisas de Broca foram feitas com pacientes afásicos. Nos anos sessenta, encetaram-se estudos do comportamento linguístico de adultos normais. Esses estudos confirmaram em grande parte as suas constatações. Encontraram-se novas evidências a favor da especialização sinistro-lateral. O processamento de sinais da fala se dá prioritariamente no hemisfério esquerdo, ao passo que o processamento dos demais sinais se dá prioritariamente no hemisfério direito. De qualquer forma, há situações em que as coisas se complicam. É o caso dos bilíngues. Aqueles que aprenderam duas línguas no começo de suas vidas ativam regiões do cérebro que se interseccionam, quando processam as duas línguas. Aqueles que aprenderam a segunda língua mais tarde ativam duas regiões distintas do cérebro para as duas, uma região para cada língua (cf. Paradis, 1980).
Investigações individuais têm levado a conhecimentos parcelares. Como diz Levelt (2000: 844), "as áreas do lóbulo temporal esquerdo adjacentes ao córtex auditivo primário se tornaram mais especializadas para o armazenamento dos códigos fonológicos. Várias áreas perisylvianas do hemisfério esquerdo (temporal, parietal, insular, frontal) estão ligadas às complexidades do processamento linguístico, indo da análise e síntese sintática, morfológica, fonológica até a fonética."
Os itens lexicais não estão armazenados em um único ponto. Como o cérebro é uma complexa rede de conexões entre neurônios, os conceitos associados a cada um desses itens é apenas um ponto (nó) em que uma série dessas conexões se sobrepõem. Como diz Lamb (2000: 177), "o nó para uma categoria conceptual parece ter conexões para/de um grande número de nós que representam suas propriedades, para/de outros nós conceptuais e para/de outros subsistemas. Por exemplo, conceitos para categorias de objetos visíveis têm conexões com nós da área visual; os de categorias de objetos auditivos, para/de nós da área auditiva e assim por diante. Tomando o conceito Cgato, por exemplo, temos conexões visuais relativas à aparência dos gatos, conexões auditivas para 'miau' e outros sons feitos pelo gato, conexões táteis para o que sentimos ao tocá-lo. Além disso, há conexões para outros conceitos que representam informação sobre gatos no sistema de informação da pessoa em cujo sistema essas conexões se formaram". Assim sendo, "o conhecimento de uma pessoa sobre gatos é representado no sistema de informação por uma pequena rede, que compreende centenas ou milhares de nós, incluindo uma rede visual para traços visuais, uma rede auditiva para o 'miau' e assim por diante, todas 'mantidas juntas' por um nó coordenador central, ao qual podemos dar o rótulo 'Cgato'." A linguística neurocognitiva desse autor desenvolveu um sistema gráfico para representar essas conexões, de modo quase icônico. Para uma priameira abordagem, pode-se consultar Couto (1982).
Se por um lado os dados resultantes da observação das lesões sugerem que é impossível delimitar uma área do cérebro inteiramente associada ao processamento sintático, por outro lado sabe-se que o córtex temporal anterior não tem sido associado a nenhuma função linguística. No entanto, as pesquisas têm demonstrado que ele estaria associado a déficits sintáticos. Conjuntos de áreas do córtex esquerdo perisylviano contribuem com o processamento sintático e alguns processos semânticos. Enfim, os dados indicam que o processamento sintático se baseia na ação conjunta de diferentes áreas do cérebro, cada uma com sua especialização relativa. É importante ressaltar também que as áreas envolvidas na compreensão da fala não são necessariamente as mesmas que são ativadas em sua produção.
Nos últimos anos, os estudos neurolinguísticos têm experimentado um notável avanço, facultado pela introdução de técnicas não-invasivas, mediante as quais se pode ver que partes do cérebro são ativadas durante a fala. Essas técnicas são basicamente de dois tipos: as hemodinâmicas e as eletromagnéticas. As hemodinâmicas são PET (positron emission tomography) e fMRI (functional magnetic resonance imaging), ambas de ótima resolução espacial mas de fraca resolução temporal. As técnicas eletromagnéticas são EEG (electroencefalografia) e MEG (magnetoencefalografia), de excelente resolução temporal, embora não tenham boa resolução espacial. Infelizmente, porém, ainda sabemos muito pouco sobre como os sinais eletrofisiológicos e os hemodinâmicos se inter-relacionam.
Quando ouvimos ou lemos uma palavra, nosso cérebro ativa não só a ela mas outras que podem ser associadas a ela. Nosso conhecimento da língua inclui não apenas as palavras reais mas também as potenciais, do mesmo modo que entendemos não apenas as frases que já ouvimos, mas todas as frases possíveis da língua, inclusive as sem sentido, como "Colorless green ideas sleep furiously", de Chomsky. Isso contribui para a autonomia relativa da linguagem vis-à-vis MA, após formada.
O que comentei aqui sobre o MA mental de L é apenas uma pequena amostra. Existem ainda inúmeras outras inter-relações em seu interior. Muitos outros fatos, tanto já conhecidos como ainda por ser descobertos, ficam de fora da discussão. Por exemplo, o número de palavras que cada indivíduo domina giraria em torno de 50.000 (França, 2005), embora esse número exato seja difícil de ser determinado. Entre as questões em aberto, teríamos a determinação do locus da gramática. Para Chomsky ela se localiza no MA mental; para Saussure, no MA social. Para a ecolinguística, tudo depende de como a encaramos: como "regras", é mental; como padrões de comportamento, social.

Referências
Couto, Hildo Honório do. 1982. Linguística e semiótica relacional. Brasília: Thesaurus Editora.
França, Aniela Improta. Neurolinguística. Ciência hoje, vol. 36(21) 2005, pp. 20-25.
Lamb, Sydney M. Neuro-cognitive structure in the interplay of language and thought. In: Pütz, Martin & Marjolijn H. Vespoor (orgs.) Explorations in linguistic relativity. Amsterdam: Benjamins, 2000, pp. 173-196.
Levelt, Willem J. M. Introduction. In: Gazzaniga, Michael S. (org.) The new cognitive neurosciences. Cambridge: The MIT Press, 2000, pp. 843-844.
Paradis, Michel. 1980. Language and thought in bilinguals. The sixth LACUS Forum. Columbia, S. C.: Hornbeam Press.