quinta-feira, 29 de março de 2012

Emergência dos pronomes pessoais na ecologia da interação comunicativa

Nesta postagem vou tentar mostrar que as pessoas do discurso, mais conhecidas como "pronomes pessoais", são parte integrante da ecologia da interação comunicativa. A ecologia da interação comunicativa se insere na Ecolinguística, que tem sido definida como sendo o estudo das relações entre língua e meio ambiente, que é de natureza tripla, ou seja, existem o MA natural, o MA mental e o MA social da língua, assunto discutido em postagens anteriores. Para mais detalhes sobre a Ecolinguística em geral e sobre a própria ecologia da interação comunicativa em especial, pode-se consultar (Couto 2007) bem como as referidas postagens.
De acordo com o meu modo de ver, os chamados "pronomes pessoais" não têm sido tratados de modo adequado pelas gramáticas tradicionais. Entre os inúmeros problemas que se poderiam levantar, temos o fato de considerarem 'nós' como plural de 'eu' e 'vós' como plural de 'tu'. Outro problema seria o considerarem 'ele' e derivados (ela, eles, elas) também como "pronomes". Um terceiro problema é o fato de considerarem os pronomes como substitutos dos nomes, como já dá a entender a própria palavra 'pronome'. No que tange à definição que dão a cada uma das três formas básicas, não há muito a criticar. Cunha (1970: 200), por exemplo, afirma que 'eu' designa a pessoa que fala, 'tu' refere-se à pessoa a quem se fala e as demais quatro formas indicam de quem ou de que se fala. Até aí não há aparentemente nada a criticar. O problema começa quando o gramático em questão, de resto como todos os demais que o precederam, com raríssimas exceções, apresenta as conceituações inadequadas recém-vistas.
Uma das exceções é Ali (1969: 61), que afirma que "Pronome é a palavra que denota o ente ou a ele se refere, considerando-o apenas como pessoa do discurso". Ali continua salientando que "Pessoas do discurso se chamam o indivíduo que fala, o indivíduo com quem se fala e a pessoa ou cousa de que se fala". O mais importante aqui é, porém, o salientar ele que "o plural de nós significa, não eu + eu, e sim eu + tu, eu + ele (ou ela), eu + vós ou eu + eles (ou elas)". Fernandes (1940: 172-174) defende a mesma ideia, acrescentando que "o sentido da forma nós não admite que a possamos considerar como plural de eu, sob pena de falsearmos a noção de pluralização". Ele conclui afirmando que "identicamente, também vós não é, em rigor plural de tu".
Esse procedimento recua pelo menos a meados do século XVII. Em 1660, saiu a Grammaire générale et raisonnée, de Arnauld; Lancelot, de que tenho a edição de (1830/1969), prefaciada por Michel Foucault. Nessa obra clássica, pelo menos se dá uma razão para se chamarem os "pronomes" como substitutos de nomes, de substantivos. Assim, os homens "reconheceram que era frequentemente inútil e de mau gosto nomearem-se a si mesmos. Por isso, introduziram o pronome da primeira pessoa a fim de colocá-lo no lugar do nome de quem fala: Ego; moi, je" (eu). Eles continuam dizendo que "para não se sentirem obrigados a nomear aquele a quem se fala, consideraram conveniente denominá-lo por uma palavra a que chamaram de pronome da segunda pessoa: Tu, toi ou vous" (tu, você). Por fim, "a fim de não serem obrigados a repetir os nomes das outras pessoas ou das outras coisas de que se fala, eles inventaram os pronomes da terceira pessoa: Ille, illa, illud; il, elle, lui, etc." (ele, ela etc.) (p. 43).
Quem viu a real posição dos "pronomes pessoais" não foi um gramático nem sequer um linguista, mas o filósofo e pai da semiótica moderna Charles Sanders Peirce. Ao falar de expressões indiciais no ensaio "O ícone, o indicador e o símbolo", em uma nota de rodapé ele afirmou que "não há razão para dizer que 'eu', 'tu', 'este', 'aquele' se colocam no lugar de nomes; eles apontam coisas, da maneira a mais direta possível". Continua dizendo que o nome é que "é um substituto imperfeito do pronome", uma vez que "um nome [...] não indica o objeto que denota; e quando se emprega um nome para referir aquilo a propósito de que se está falando, confia-se na experiência do ouvinte para suprir a incapacidade de o nome atuar como o pronome de imediato atua" (Peirce 1972: 122-123).
Um linguista que tratou do assunto de uma perspectiva que se assemelha à da Ecolinguística é Émile Benveniste. Em Benveniste (1995: 277-283), ele chama 'ele' de não pessoa que, quando muito, entraria em uma "representação sintática", ou seja, aquilo que outros chamam de referência anafórica. Ele deixa implícito que 'ele' pode ser qualquer coisa ou pessoa de que se fala, inclusive o emissor (eu) e o receptor (tu). O locutor pode falar até inclusive de si mesmo, como 'me' e 'mim', e do ouvinte, como 'te' e 'ti'. Tanto que Benveniste afirma que ''ele' pode ser substituído por qualquer outra palavra, sobretudo nominal, da língua, ao passo que 'eu' e 'tu' não. Em cada ato de interação comunicativa eles são únicos e insubstituíveis. Mais próximo de nós, temos Roncarati (2010), que fala em "cadeia de referência", ou "cadeia referencial", equivalente aproximado da correferência de outras abordagens. Assim, em um texto, posso usar "João" em uma primeira aparição, mas, "ele" em uma segunda, "o" em uma terceira (ou até mesmo em uma segunda), "lhe" em uma quarta e assim por diante. O referente permanece sempre o mesmo. O uso de "ele", "o" e "lhe" se deve apenas a razões sintáticas. Quando os usa, porém, o narrador está pensando sempre na mesma pessoa ou coisa. Por outras palavras, quando usa "ele", "o" ou "lhe" não os associa à palavra "João" mencionada anteriormente na frase, mas a uma pessoa que essa palavra designa.
Os "pronomes" em tela são actantes da ecologia da interação comunicativa e respectivos circunstantes, como os chamados "pronomes de terceira pessoa". No seu estudo, normalmente, se tem partido do esquema da comunicação, simplificado pelos linguistas como se vê logo abaixo.

      C
   /      \
E--M--R

Esse esquema mostra que para uma mensagem (M) enviada por um emissor (E) a um receptor (R) ser entendida tem que estar formulada em uma linguagem ou código (C) comum a E e R. Esse modelo é por demais estático, dando a entender que a interação comunicativa é um circuito fechado, fato visível também na formulação de Saussure (1983: 19), que fala em "circuito da fala". O problema é que tanto Saussure quanto todos os estruturalistas que seguiram sua genial proposta veem a língua como um sistema de regras fechado, estático, considerando a "fala" como mera realização hic et nunc desse sistema. Para essa visão parcial da linguagem em geral, o modelo recém-visto é suficiente. Acontece que, como o também estruturalista Eugenio Coseriu salientou, a língua é basicamente interação, ela é o como os membros da comunidade interagem entre si verbalmente (Coseriu 1967). Portanto, o modelo é inadequado e insuficiente.
Para o que aqui interessa, essa concepção de língua como atividade, que já existia em Humboldt (para ele ela era 'enérgeia' não 'ergon'), pode ser contemplada partindo do próprio modelo de comunicação dos engenheiros da comunicação, contanto que levemos em conta mais dois componentes que eles próprios incluíam, mas que os linguistas ignoraram. Trata-se da fonte (FO) e do destino (DE) da mensagem, como se pode ver em Shannon & Weaver (1949: 34). Com isso, o modelo anterior é substituído pelo seguinte:

               C
           /        \
FO---E--M--R---DE

Um dos exemplos dado pelos próprios engenheiros é o de um teletrama que alguém (FO) quer enviar a um amigo distante (DE). Ele vai a uma agência dos Correios e entrega o texto a um funcionário (E) que o envia em forma codificada a outra agência dos Correios em que outro funcionário (R) o decodifica e envia ao destinatário (DE) final do telegrama, embora hoje em dia isso talvez já não aconteça exatamente assim.
O que importa no momento é que esse modelo contempla todos os atores (reais e/ou potenciais) de uma interação comunicativa. O emissor da mensagem é 'eu' e o receptor é 'tu'. A fonte (FO) corresponde àquela pessoa ou pessoas que estão com o emissor ou falante, ou que estão de algum modo associadas a ele. O destinatário (DE) corresponde a quem está junto com o receptor, ou está associado a ele de algum modo. Com isso, FO equivale a um primeiro 'ele', aquele que está com o emissor, ou seja, ELE1, enquanto que DE equivale ao 'ele' que está com o receptor, o ELE2. Resumidamente, temos as seguintes equivalências até agora:

eu --- E
tu --- R
ele -- FO, DE

Como o emissor ou falante é o centro da interação comunicativa, ele pode juntar (e junta) outra ou outras pessoas a si mesmo. Quando ele se dirige ao receptor ou ouvinte incluindo o ELE1, diz não mais 'eu', mas 'nós'. Trata-se do 'nós' exclusivo, uma vez que não inclui o ouvinte. Se ele incluir o ouvinte (R), mesmo excluindo ELE1, teremos o 'nós' inclusivo. Mas, a forma 'nós' pode referir-se a outras pessoas, ou conjunto de pessoas, tanto actantes quanto circunstantes. Elas estão apresentadas nos exemplos de (1).

(1)
(a) eu + ELE1 = nós1 exclusivo (exclui o ouvinte)
(b) eu + tu = nós2 inclusivo (inclui o ouvinte)
(c) eu + ELE2 = nós3
(d) eu + ELE1 + ELE2 = nós4
(e) eu + tu + ELE1 = nós5
(f) eu + tu + ELE2 = nós6
(g) eu + tu + ELE1 + ELE2 = nós7

Levando-se em conta que o 'ele' que está com o falante e o que está com o ouvinte podem ser também uma coisa (eu e o que trago comigo, tu e o que trazes contigo), constatamos que a forma 'nós' pode se referir a pelo menos sete pessoas e/ou coisas diferentes. Normalmente, não nos damos conta dessas diferentes significações que o português sempre expressa por 'nós'. No entanto, em algumas línguas há formas diferentes para referentes distintos. O tupi e o guarani têm a forma 'oré' para o 'nós' exclusivo e 'jandé' para o 'nós' inclusivo. No crioulo inglês da Papua-Nova Guiné conhecido como tok pisin, há outras possibilidades, que examinaremos mais abaixo.
A ideia de que tanto EU quanto TU têm ao seu lado aqueles/aquilo que lhes diz respeito é explicitada em muitas línguas do mundo. De acordo com Alexandre Timbane, no grupo linguístico tsonga "Cada indivíduo é representante (imagem) do seu grupo social. Quer dizer, quando se fala com um ronga, nele reflete-se a cultura, os hábitos, os costumes e língua do seu povo. É neste sentido que se pode dizer que cada um carrega o seu grupo étnico, seu grupo linguístico donde adquiriu as regras de comportamento em sociedade" (Timbane 2014, p. 100).
O fato de 'vós' não ser mero plural de 'tu' (não se refere a 'tu + tu') se justifica pelos mesmos motivos, vale dizer, 'vós' pode se referir a diversas combinações de participantes e/ou circunstantes da interação comunicativa. A primeira e mais óbvia é "tu + ELE2". Em (2) temos todas as três possibilidades combinatórias de tu, ou seja, aquelas que são dadas pela ecologia da interação comunicativa. Note-se que 'tu' sempre aparece, pois é o "pronome de segunda pessoa" por excelência.

(2)
(a) tu + ELE2 = vós1
(b) tu + ELE1 = vós2
(c) tu + ELE2 + ELE1 = vós3

Provavelmente por 'tu' só emergir quando proferido por 'eu', ou seja, por ser secundário relativamente a 'eu', ele tem, no máximo três referentes, contra os sete de 'eu' que, como veremos mais abaixo muitas são implementadas em outras línguas, como o tok pisin.
Por fim, temos a forma 'ele'. Como ela indica aquele(a), aqueles(as) ou aquilo de que se fala, isto é, ao assunto do diálogo, seus referentes são em número infinito, uma vez que podemos falar de qualquer coisa, de tudo, inclusive de 'eu' e de 'tu', como já observado acima. Mas, pelo menos dois referentes emergem naturalmente fa ecologia da interação comunicativa. Quando o falante profere a forma 'ele', pode estar se referindo a ELE1 ou a ELE2, como em (3), abaixo. Se proferir a forma de plural 'eles', pode estar se referindo, em primeiro lugar, a ELE1 + ELE2, exemplificado em (3c). Pode estar se reportando também a dois ou mais ELE1 (3d), a dois ou mais ELE2 (3e), a dois ou mais ELE1 + ELE2 (3f), a dois ou mais ELE2 + ELE1 e assim por diante. Sempre que se tratar de mais de um ELE, os referentes serão codificados pela forma plural 'eles'. Sinoticamente, temos (o "etc." mostra que as possibilidades são em aberto, tendendo ao infinito):

(3)
(a) ELE1 = ele1
(b) ELE2 = ele2
(c) ELE1 + ELE2 = eles1
(d) ELE1a + ELE1b = eles2
(e) ELE2a + ELE2b = eles3
(f) ELE1 +ELE1a + ELE2 = eles4
(g) ELE2 + ELE2a +ELE1 = eles4
(h) ELE1a + ELE1b +ELE2n + ELE2a + ELE2b + ELE2n
etc.

A flexão de feminino 'ela' e respectivo plural 'elas' não apresentam problema nenhum. A fórmula é a mesma para 'ele' e 'eles'. As flexões de feminino e plural são algo que acontece com qualquer substantivo, por razões meramente sintáticas que nada têm a ver com o conteúdo da mensagem. Isso é um forte argumento em prol da interpretação dessa forma "pronominal" como sendo um nome.
Segundo as teorias sintáticas, no texto, 'ele' e derivados podem referir-se aparentemente a um substantivo já mencionado, como acontece na relação anafórica. Vejamos os exemplos (4).

(4) Nossa escola contratou 'nova professora' de Português. 'Ela' já se apresentou aos alunos, que 'a' acolheram muito bem, dando-'lhe' as boas vindas.

As teorias linguísticas que veem a língua como basicamente um sistema de regras, consideram que, nesse oração, 'Ela' se refere a 'nova professora', 'a' se refere a 'Ela' e 'lhe' se refere a 'a'. No entanto, essa é uma interpretação meramente sintática. Tenho certeza de que nenhum falante de português que proferir esse enunciado achará que está se referindo a 'Ela' ao dizer 'a', nem se reportando a 'nova professora' ao dizer 'Ela'. Em todos os casos estará sempre se referindo a uma pessoa específica, no caso a pessoa que foi contratada como professora de português na nossa escola.
No exemplo que acaba de ser discutido não fica claro se 'ela' se refere a ELE1 ou a ELE2, porque, como acabamos de ver, 'ele/ela' representa um ou outro deles, dependendo da configuração da ecologia da interação comunicativa em questão. Em outros casos, porém, o referente de 'ele' (ou de 'ela') fica bem claro. Vejamos o exemplo (5).

(5) 'Minha esposa' é professora. 'Ela' leciona Português.

Não há dúvida nenhuma de que se trata de ELE1 (aquele que está do lado do falante), sendo que na oração (6) 'ela' e 'a' indicam inequivocamente ELE2 (aquele que está do lado do ouvinte).

(6) 'Tua esposa' á muito simpática. Ontem 'ela' convidou a minha a visitá-'la' no fim de semana

Se juntarmos as duas formas, temos o que se vê em (8), em que o plural 'elas' indica claramente ELE1 + ELE2.

(7) 'A minha esposa' e 'a tua' se dão muito bem. 'Elas' sempre preparam aulas juntas

As demais possibilidades são infinitas, como já dito. Entretanto, valeria a pena dar pelo menos mais dois exemplos. Em (9) temos um 'eles' que indica ELE1a + ELE1b, enquanto que em (10) o 'eles' se reporta a ELE2a + ELE2b. No primeiro caso, trata-se de mais de um ELE que estão do lado do falante; no segundo, trata-se de mais de um ELE estão com o ouvinte.

(8) Eu tenho um 'cachorro' (ELE1a) e um 'gato' (ELE1b). 'Eles' estão sempre brigando
(9) Tu tens um 'cachorro' (ELE2a) e um 'gato' (ELE2b). 'Eles' nunca brigam

A forma brasileira 'você' e respectivo plural 'vocês' introduz uma pequena complicação no quadro esboçado acima. No entanto, a primeira forma é pura e simplesmente um substituto de 'tu' e a segunda de 'vós'. Vale dizer, o referente é o mesmo, é dado pela interação comunicativa, que é universal. A diferença entre 'você' e 'tu' está apenas na aparência, no significante, uma vez que o significado é o mesmo, a pessoa com quem se fala. É bem verdade que o plural de 'você' se forma como o plural de qualquer forma nominal (substantivo e adjetivo), mediante o acréscimo de um -s. No caso de 'tu" e 'vós', são simplesmente dois itens lexicais independentes que se relacionam só semanticamente, ao passo que 'você' e 'vocês' se relacionam também gramaticalmente ou, de modo mais específico, morfologicamente.
Pode ser que haja duas explicações para o que se passa com 'você/vocês'. Primeiro, o mero acréscimo de -s à forma de singular seria um modo menos marcado de se expressar a pluralidade, uma vez que se trata provavelmente da regra mais geral da morfossintaxe portuguesa. Essa regra diria simplesmente: "Para formar o plural dos nomes, acrescente -s a eles, como terminação". Segundo, pode ser que a etimologia também tenha alguma influência no processo. Sabemos que 'você' vem de algo como 'vostra mercede', que é um sintagma nominal, portanto, passível de pluralização mediante acréscimo de -s. Historicamente, ela passou por formas intermediárias como 'vosmecê', 'vos'cê' ('vancê') até chegar a 'você'. Posteriormente, houve a redução a 'ocê' e até a 'cê'. A forma ocê é mais usada na zona rural, alternando com cê, enquanto que nas zonas urbanas se usa mais cê, frequentemente em alternância com você.
O crioulo inglês da Papua-Nova Guiné, conhecido como tok pisin, lexicaliza mais algumas das possibilidades mencionadas. O "eu" simples é mi. Para o nosso 'nós' a língua tem três formas. Para expressar "eu + ELE1" (10a) ou "eu + ELE2" (10c), temos mitupela. Para "eu + ELE1 + ELE2" (10d) temos mitripela. Quanto a "eu + tu + ELE1 + ELE2" (10g), dá 'yumi' ou 'yumipela'. As formas de (10a), (10c) e (10b) são chamadas de exclusivas, uma vez que excluem o ouvinte (tu). As formas que incluem o ouvinte (tu), as inclusivas, são yumitupela, que lexicaliza a possibilidade (10b), ou seja, "eu + tu". A possibilidade "eu + tu + ELE2" (10f) é representada em tok pisin por yumitripela. Repitamos as possibilidades de (10), incluindo as formas do tok pisin. Vê-se que a língua só não lexicaliza a possibilidade (10e).

(10)
(a) eu + ELE1 = nós1 = 'mitupela' (exclusivo; exclui o ouvinte)
(b) eu + tu = nós2 = 'yumitupela' (inclusivo; inclui o ouvinte)
(c) eu + ELE2 = nós3 = 'mitupela' (exclusivo, exclui o ouvinte)
(d) eu + ELE1 + ELE2 = nós4 = 'mitripela'
(e) eu + tu + ELE1 = nós5
(f) eu + tu + ELE2 = nós6 = 'yumitripela'
(g) eu + tu + ELE1 + ELE2 = nós7 = 'yumi' ou 'yumipela'
(h) eu = 'mi'

As formas de segunda pessoa também lexicalizam muito mais das possibilidades teóricas do que o que se vê no português ou nas línguas ocidentais em geral. Considerando que "tu" simples é yu, "tu + ELE2" (11a) ou "tu + ELE1” (11b) correspondem a yutupela. A (11c), ou seja, "tu + ELE2 + ELE1" corresponde o yutripela tok pisin. Se a essa última possibilidade (11c) acrescentarmos mais um ELE1a ou um ELE2a, teremos yupela, como em (11d).

(11)
(a) tu + ELE2 = vós1 = 'yutupela'
(b) tu + ELE1 = vós2 = 'yutupela'
(c) tu + ELE2 + ELE1 = vós3 = 'yutripela'
(d) tu +ELE2 + ELE1a + ELE2a = vós3 = 'yupela'
(e) tu = 'yu'

As formas que as gramáticas tradicionais chamam de "pronomes de terceira pessoa" também são mais complexas do que as das línguas ocidentais. A forma simples "ele/a" é representada como em (de "them"). Juntando ELE1 com ELE2 (12c) temos o tupela tok pisin. Se a esses dois acrescentarmos mais um ELE (ELE1a ou ELE2a), temos tripela, como em (12f) e (12g), respectivamente. Juntando-se mais de um ELE, de qualquer tipo como em (12h), teremos ol (de "all"). Para mais detalhes sobre os pronomes no tok pisin, pode-se consultar Laycock (1970) e Siegel (s/d), entre outros.

(12)
(a) ELE1 = ele1 = 'em'
(b) ELE2 = ele2 = 'em'
(c) ELE1 + ELE2 = eles1 = 'tupela'
(d) ELE1a + ELE1b = eles2
(e) ELE2a + ELE2b = eles3
(f) ELE1 +ELE1a + ELE2 = eles4 = 'tripela'
(g) ELE2 + ELE2a +ELE1 = eles4 = 'tripela'
(h) ELE1a + ELE1b +ELE2n + ELE2a + ELE2b + ELE2n = 'ol'
etc.

Enfim, ecolinguisticamente, não há nenhum mistério nos pronomes pessoais. Quando os procuramos onde eles naturalmente estão, encontramo-los como eles realmente são. No caso, eles são os actantes e os circunstantes do ato de interação comunicativa, que se dá no cenário da ecologia da interação comunicativa.
Deve haver línguas entre as mais de seis mil que existem no mundo alguma ou algumss que lexicalizem outras possibilidades. Essa é uma pesquisa que valeria a pena ser feita, mas que demandaria uma grande equipe internacional de investigadores que dispusesse de um generoso financiamento. De qualaquer forma, aqui ficam essas poucas notas como sugestões para investigações mais pormenorizadas sobre os pronomes, da perspectiva da ecologia da interação comunciativa.

Referências bibliográficas
Ali, Said. 1969. Gramática secundária da língua portuguesa. São Paulo: Edições Melhoramentos, 8a ed.
Arnauld & Lancelot. 1969. Grammaire générale et raisonnée. Paris: Republications Paulet (1a ed., 1660).
Coseriu, Eugenio. 1967. Teoría del lenguaje y lingüística general. Madri: Editorial Gredos, 2a ed.
Couto, Hildo Honório do. 2007. Ecolinguística - estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus Editora.
Cunha, Celso. 1970. Gramática do português contemporâneo. Belo Horizonte: Editor Bernardo Álvares.
Fernandes, I. Xavier. 1940. Estudos linguísticos. Porto: Editora Educação Nacional Ltda.
Laycock, Donald C. 1970. Materials in New Guinea Pidgin. Canberra: Pacific Linguistics.
Peirce, Charles Sanders. 1972. Semiótica e filosofia. São Paulo: Editora Cultrix.
Roncarati, Cláudia. 2010. As cadeias do texto - construindo sentidos. São Paulo: Parábola.
Saussure, Ferdinand de. 1983. Curso de linguística geral. São Paulo: Editora Cultrix, 5a ed.
Shannon, Claude E. & Warren Weaver. 1949. The mathematical theory of communication. Urbana: University of Illinois Press.
Siegel, Jeff. s/d. Tok pisin. http://www.hawaii.edu/satocenter/langnet/definitions/tokpisin.html (28/3/2012)
Timbane, Alexandre António. 2014. Análise sociodiscursiva da “saudação” do grupo étnico-linguístico tsonga de Moçambique. Revista educação, cultura e sociedade v. 4, n. 2, p. 90-105. Disponível em:
http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/educacao/article/view/1724/1239  (26/10/2017).

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