sábado, 1 de novembro de 2008

MA Natural da Língua

Já vimos nas duas postagens anteriores que meio ambiente é parte de um ecossistema. Vimos também o que vem a ser Ecossistema Linguístico. De modo que, quando falamos em meio ambiente da língua, fazemo-lo do ponto de vista da parte, ao passo que, quando falamos em ecossistema da língua, colomamo-nos na perspectiva do todo. Partindo do fato de que o Ecossistema Linguístico é a totalidade formada por P, T e L, podemos partir de L que, nesse caso, teria PT como seu meio ambiente, ou seja, o mundo ou território (T), incluindo-se a população (P), como constituída de organismos (indivíduos) físicos. Esse é o MA Natural da Língua. Em linguagem menos formal, podemos usar MA Natural da Língua e Ecossistema Natural Natural da Língua intercambiavelmente, sem prejuízo do entendimento. Aliás, na própria ecologia biológica parece que se precede assim.
Podemos considerar o MA Natural da Língua como o primeiro, pelo menos de uma perspectiva filogenética. Isso porque é ele que fornece as bases, as fundações para os demais. Tanto que ele às vezes é também chamado de Ecossistema Fundamental da Língua, sendo que "fundamental" é uma alternativa para "fundacional". Por que fundacional? Simplesmente porque é ele que fornece as fundações para tudo que se refere à língua. Como vimos, esse ecossistema consta de um povo ou população (P), convivendo em determinado território (T) e falando a própria língua (L). Essa é a concepção do próprio leigo. Quando ele ouve o nome de uma língua que lhe é desconhecida, a primeira pergunta que faz é que povo (P) a fala. Diante da resposta, segunda pergunta que faz é onde (T) esse povo se encontra. Aqui não é o lugar para entrar em detalhes sobre as origens dessa concepção, mas ela recua até pelo menos o psicólogo Kurt Lewin, o pedagogo Albert Bandura, o signo triádico de Peirce, bem como os linguistas alemães Peter Finke e Wilhelm Trampe bem como os dinamarqueses Jøgen Døør e Jørgen Christian Bang. Todos eles veem a língua como uma realidade com três dimensões, quais sejam, a natural, a mental e a social. Sobretudo os dois alemães têm enfatizado a idéia de ecossistema linguístico.
No interior desse ecossistema, P e T constituem o meio ambiente fundacional da língua, ou seja, o MA Fundamental da Língua. Assim como uma população de organismos só existe e subsiste como tal localizada em um habitat (biótopo, território etc.), e se inter-relacionando com ele, assim também L só existe, como um dos tipos de inter-relação que se dão entre os membros de P, no T da população que a formou e a usa. Afinal, como disse Mufwene (2008), L é uma espécie parasita ou viral de P, no sentido biológico desses termos. É inter-relacionando-se entre si e com T (o mundo) que os membros de P constroem L, pelo simples fato de compartilharem T e interagirem nele. Esse ecossistema pode ser representado como se vê na figura 1.


P
/ \
L-----T
Fig. 1
A linha tracejada entre L e T mostra que não há uma relação direta entre linguagem e mundo, aqui representado apenas por T, assim como no signo de Peirce (1972) não há relação direta entre signo e referente. Linearizando a representação, como em L---P---T, a questão ficaria mais clara. Toda relação de L com T passa por P, como Sapir (1969) já havia notado. Está também em conformidade com a posição de Mufwene de acordo com a qual L é uma espécie parasita de P. É bem verdade que existe uma outra posição, que interpõe L entre P e T, como se a relação fosse P---L---T. De acordo com essa posição, a linguagem criaria o mundo. Nós só teríamos acesso a ele via linguagem. Mas, como o filósofo polonês Adam Schaff (1974) disse, trata-se de uma concepção mística, pelo menos em sua versão mais radical, como é o caso do construtivismo radical (Glasersfeld 1989).
Vimos que tudo na língua tem a ver, direta ou indiretamente, com o Ecossistema Fundamental da Língua, melhor dizendo, com as relações entre L e P, por um lado, e entre L e T, por outro, bem como entre L e PT juntos, que são o MA Fundamental da Língua. Por exemplo, a distribuição dos indivíduos de P pelo espaço (T) determina muitas das características de L. Assim, se T é de pequenas proporções, como sói acontecer com o T das pequenas comunidades ameríndias e africanas, L tende a ser relativamente homogênea. Se T abrange grandes extensões de terra, como o inglês, L tende a apresentar mais variação interna. Por fim, o nível intelectual e tecnológico a que os membros de P chegaram também pode afetar a natureza de L, sobretudo o vocabulário, mas não só, como, por exemplo, a morfologia, sobretudo na de formação de palavras, que tem a ver com ele, além de ser uma fonte de seu enriquecimento, permitindo criar novas palavras com meios internos, mediante a reutilização (reciclagem) de recursos já existentes.
O MA Natural da Língua é constituído pelo conjunto de todos os fenômenos físicos do entorno da língua, o que inclui os membros de P como organismos naturais, físicos. Aí entram o solo, a topografia, as águas, o ar, os céus etc. O estudo da relação entre L e respectivo MA natural, ou seja, a relação entre língua e mundo, vem sendo feito desde pelo menos os gregos, sobretudo sob a forma da relação palavra-coisa. É o caso do conhecido diálogo de Platão Crátilo, no qual Crátilo defende a idéia de que há uma relação natural entre palavra e coisa, ao passo que Hermógenes defende a tese de que essa relação é arbritária. A despeito desses precedentes históricos tão antigos, o assunto não é muito popular fora da filosofia, embora haja algumas poucas correntes linguísticas que, excepcionalmente, trataram dele, como a escola dialetológica da geografia linguística conhecida como Wörter und Sachen (palavras e coisas). Essa escola defende a tese de que não se pode estudar a palavra sem a coisa a que se refere, embora a coisa possa ser estudada sem a palavra que a desgina. De acordo com essa escola, quando o estudo parte da coisa para averiguar que nomes recebe, tem-se a onomasiologia; quando vai do nome para a coisa, a semasiologia. Isso no que tange ao vocabulário. No entanto, segundo Ogden & Richards (1972), Heráclito teria afirmado que a própria estrutura da linguagem reflete a estrutura do mundo, com o que Ludwig Wittgenstein (1968) está inteiramente de acordo. Mas, há uns poucos autores mais recentes, inclusive linguistas, que defendem essa tese, como Haiman (1980), que chegou a afirmar que a estrutura da língua reflete, de algum modo, relações existentes no mundo.
Como se vê, grande parte (talvez a maior parte) dos referentes dos diversos itens lexicais pertence ao Ecossistema Natural da Língua, ou seja, está em seu MA Natural. O que pertence ao Ecossistema Natural da Língua é mais "natural", existe independentemente da intervenção humana, pelo menos grande parte dele. Os referentes encontráveis nos outros dois MAs da língua (o mental e o social) dependem da intervenção humana, de uma forma ou de outra. Os referentes situados no MA social são inteiramente criados pela sociedade. Por exemplo, quando se identificou um novo tipo de relacionamento entre homem e mulher, os jovens criaram o termo "ficar".
Uma questão interessante que pertence ao domínio do Ecossistema Natural da Língua é a dos textos descritivos, narrativos e dissertativos, além da ficção e da poesia. A descrição descreve estados de coisas do mundo, na medida do possível como eles são. A narração descreve eventos. A ficção descreve/narra estados de coisas e/ou eventos que não se deram no mundo, mas foram inventados. A poesia vai mais além, pois pode fazer uso de tudo isso ou não. Seu objetivo é apenas fazer arranjos de palavras que chamem a atenção do leitor. A dissertação, por fim, trata apenas de concatenações de idéias, como no silogismo. Esse assunto merece um estudo mais aprofundado da presente perspectiva.

Referências
(só os não citados anteriormente)
Bandura, Albert. Principles of behavior modification. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1969.
Døør, Jøgen & Jørgen Christian Bang. 1996. Language, ecology and truth: dialogue and dialects. In: Fill (org.): 17-25.
Fill, Alwin (org.). 1996. Sprachökologie und Ökolinguistik. Tübingen: Stauffenberg.
Finke, Peter. 1996. Sprache als missing link zwischen natürlichen und kulturellen Ökosystemen: Überlegungen zur Weiterentwicklung der Sprachökologie. In: Fill (org.): 27-48.
Lewin, Kurt. A dynamic theory of personality. New York: McGraw-Hill, 1935..
Glasersfeld, Ernst von. 1989. Cognition, construction of knowledge, and teaching. Synthese 80(1).121-140.
Haiman, John. 1980. The iconicity of grammar: isomorphism and motivation. Language 56(3).515-540.
Mufwene, Salikoko. 2008. Language, evolution, contact, competition and change. Londres: Continuum.
Ogden, C. K. & I. A. Richards. O significado de significado. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972.
Peirce, Charles Sanders. 1972. Semiótica e filosofia. São Paulo: Editora Cultrix.
Schaff, Adam. Linguagem e conhecimento. Coimbra: Livraria Almedina, 1974.
Trampe, Wilhelm. 1996. Ökosysteme und Sprache-Welt-Systeme. In: Fill (org.): 59-75.
Wittgenstein, Ludwig. 1968. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Cia. Editora Nacional & Editora da USP.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O que é meio ambiente da língua?


Qual seria a mais adequada de discutir o tema formulado no título desta postagem inicial deste blog, encarando a questão como "língua e meio ambiente" ou "meio ambiente e língua?" Cada uma das duas formulações tem importantes implicações teóricas e metodológicas. O ponto de vista defendido por mim é o de que a segunda expressão é mais apropriada para uma visão ecológica da língua, e da sociedade em geral, pois ela sugere que o que vem primeiro é o mundo, não a linguagem. Agora é chegado momento de discutirmos o que vem a ser meio ambiente da língua.
Gostaria de começar desfazendo um mal-entendido. Alguns críticos da ecolinguística alegam que quando falamos em MA da língua estamos fetichizando-a, coisificando-a, encarando-a como se fosse uma coisa que se encontraria em determinado lugar, e esse lugar seria seu meio ambiente. Isso se contraporia frontalmente à visão defendida pela ecolinguística, pela ecologia e até pela física após o advento da teoria da relatividade. Da perspectiva da ecologia, L equivale às inter-relações vigentes no interior do ecossistema. Em um dos casos, por exemplo, ela é constituída pelas interações verbais que se dão entre os membros da população (P). Assim sendo, o MA de L é constituído pelo meio ou entorno em que essas inter-relações ou interações têm lugar. O detalhe é que essas inter-relações podem ser encaradas de três perspectivas diferentes, vale dizer, elas podem ser surpreendidas em três meios ambientes distintos. Vejamos quais são esses meios ambientes e quais são os respectivos ecossistemas em que se inserem.
Os precursores e os primeiros ecolinguistas foram unânimes em considerar a sociedade como o MA de L, e tacitamente o único. É o caso de Haugen (1972), Salzinger (1979), Hagège (1985), Fill (1993) e Makkai (1993), entre outros. É assim que pensam os sociolinguistas e grande parte dos estruturalistas que vieram na esteira de Saussure: para eles o MA da língua é só a sociedade. Para a gramática gerativa, confessadamente seguidora de princípios platônico-cartesianos, o MA de L é o cérebro/mente. Toda a obra de Chomsky e seguidores defende esse ponto de vista explicitamente. Para a tradição filosófica que se ocupa do assunto, linguagem seria uma espécie de mediador entre nós e o mundo, sobretudo quando se encara a relação palavra-coisa. Para essa linha de pensamento, o MA da língua é o mundo. Isso já pode ser visto no livro Crátilo, de Platão. Em suma, três importantes orientações teórico-filosóficas partem de três pontos de vista distintos, no que tange ao meio ambiente da língua. Qual delas está com a razão? Todas, ou nenhuma, dependendo de como encaremos a questão. Como cada uma encara L de uma única perspectiva, tem razão dessa perspectiva, mas está errada por ignorar as duas outras. Só tem razão parcialmente. Na verdade, existem três meios ambientes da língua. Edward Sapir já reconhecia, há muito tempo (cf. Sapir 1969), dois meios ambientes da língua. São eles o social, o mais importante em sua opinião, e o natural. Embora seu texto date originalmente de 1911, está bem à frente das duas orientações recém-mencionadas. Infelizmente, porém, o autor se paroximou mais da real situação, mas não chegou a reconhecer que, na verdade, a língua tem três meios ambientes, quais sejam, o natural, o mental e o social. Vejamos o que são eles.
A visão tradicional, às vezes até mesmo de grupos étnicos animistas, é a de que L faz parte do mundo. Melhor dizendo, L é um elo de ligação entre nós e ele. É a visão mais abrangente de língua, aquela que a encara como fazendo parte de um todo constituído por um povo (P), vivendo na própria terra ou território (T) e falando a própria língua (L). Nesse caso, o mundo físico, que inclui os próprios membros de P, mas que aqui está representado apenas pelo símbolo T, é o meio ambiente físico, ou seja, o MA natural da língua. O todo formado pelos dois, isto é, L mais MA natural, constitui o ecossistem maior em que a língua se insere, chamado ecossistema natural da língua, como já foi sugerido anteriormente. É entre os membros de P em sua práxis diária em T que se dão as inter-relações, no caso específico as interações, que constituem a língua do respectivo povo. Esse ecossistema constitui as bases, as fundações, sobre as quais tudo na língua é construído. Por isso mesmo já foi chamado de ecossistema fundacional, ou melhor, ecossistema fundamental da língua. Desse ponto de vista, temos, em seu interior, o MA fundamental da língua, que é justamente o todo formado por P e T. Língua são as inter-relações que estão em P que, por seu turno, está em T.
A concepção racionalista, ou seja, a da gramática gerativa, só vê a língua como fenômeno mental. Chomsky já disse explicitamente que o locus da língua é o cérebro/mente. De fato, como um conjunto de regras, ela está inscrita nas conexões neurais (sinapses) no interior do cérebro. Ao serem ativadas, essas conexões neurais permitem a expressão do pensamento, na visão dos racionalistas, ou a comunicação eficaz, na dos que sociolinguistas. Saussure via na língua um fenômeno psicossocial, por isso reconhecia que ela era um fenômeno social que está armazenado no cérbro da totalidade dos falantes, isto é, dos membros de P. Como se vê, as conexões neurais em questão são o MA mental da língua. O todo formado por L mais respectivas conexões neurais constitui o ecossistema mental da língua.
Em terceiro lugar, temos a concepção dos primeiros ecolinguistas e dos sociolinguistas. De acordo com ela, o meio ambiente da língua é formado pelos membros de P organizados socialmente, vale dizer, a sociedade. Partindo daí, deduz-se, naturalmente, que a sociedade é o MA social da língua, o que até parece ser tautológico. A totalidade formada por L e sociedade constitui o ecossistema social em que L se insere, o ecossistema social da língua. De qualquer forma, tudo que tiver a ver com a faceta social da língua pertence a esse domínio. Por ser o mais visível, muitos pesquisadores foram levados a pensar que ele era o único MA de L. No entanto, por mais conspícuo que seja, é apenas um entre três. Nenhum deles é mais importante do que o outro. Na verdade, há uma inter-relação inextricável entre eles. Não há como falar de um sem que os outros dois fiquem implícitos. A vantagem da ecolinguística é justamente não compartimentalizar, ou melhor, não coisificar um deles e tentar vendê-lo como se fosse a língua. As inter-relações entre eles podem ser visualizadas na figura 1, em que S está para ecossistema social, M para ecossistema mental e N para ecossistema natural da língua.

M
/     \
S ----- N
Fig. 1

A linha segmentada entre S e N indica que não há relação imediata e direta entre o aspecto social e o natural da língua. Como veremos pormenorizadamente mais adiante, toda relação entre o aspecto social da língua e o mundo físico, natural, é mediada por P. No caso da figura 1, pelo ecossistema mental, sendo que o cérebro/mente é também uma parte física dos membros de P. Toda relação entre S e N é mediada por M.
Posteriormente, examinarei cada um desses três meios ambientes da língua, na ordem em que foram brevemente apresentados acima. Teremos oportunidade de ver que há questões que podem (e devem) ser tratadas de modo mais adequado a partir da primeira, da segunda ou da terceira perspectiva. No entanto, sem esquecer jamais das inter-relações implícitas na figura 1, ou seja, de que que elas estão inter-relacionadas. Na próxima postagem falarei do MA natural da língua.

Bibliografia
Couto, Hildo Honório do. 2007. Ecolinguística - estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus.
Fill, Alwin. 1993. Ökolinguistik: Eine Einführung. Tübingen: Gunter Narr Verlag.
Hagège, Claude. 1985. L'homme de paroles. Paris: Fayard.
Haugen, Einar. 1972. The ecology of language. In: The ecology of language. Stanford: Stanford University Press, p. 325-339.
Makkai, Adam. 1993. Ecolinguistics: ¿Toward a new **paradigm** for the science of language? Londres: Pinter Publishers.
Salzinger, Kurt. 1979. Ecolinguistics: A radical behavior theory approach to language behavior. In: Doris Aaronson & Robert W. Rieber (eds.) Psycholinguistic reasearch: Implications and applications. New York: Erlbaum, p. 109-129.
Sapir, Edward. 1969. Língua e ambiente. Linguística como ciência. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, pp. 43-62.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

"MA e linguagem" ou "Linguagem e MA?"


"MEIO AMBIENTE E LINGUAGEM" OU "LINGUAGEM E MEIO AMBIENTE"?
Hildo Honório do Couto
Universidade de Brasília

Para se falar de possíveis relações entre linguagem e meio ambiente, há toda uma série de questões que se põem logo de início. A primeira é a que está formulada no próprio título: devemos falar em "meio ambiente e linguagem" ou em "linguagem e meio ambiente"? Não se trata de uma questão ociosa. Nossa tradição cultural costuma atribuir um valor maior ao que vem em primeiro lugar. Assim, se dissermos "linguagem e meio ambiente" estamos partindo de "linguagem", e lhe atribuindo maior valor, pondo-a em relação com "meio ambiente". De certa forma, isso é reflexo do antropocentrismo, que coloca os humanos, e tudo que lhes diz respeito, em primeiro plano, sendo que tudo mais existe para servi-los. Eles seriam os reis da criação, superiores. Animais, plantas e natureza mineral estão aí para ser explorados.
Apresentando a questão como "meio ambiente e linguagem", estamos pondo ênfase no próprio meio ambiente, na natureza, no mundo. É só a partir daí que pensamos nas outras realidades, como a linguagem. Com efeito, primeiro tem que existir condições propícias à vida, para que haja seres vivos e, entre eles, os humanos. Como eles são gregários, gostam de viver em grupos, seus membros têm que interagir uns com os outros, o que acaba levando ao surgimento da linguagem. Trocado em miúdos: primeiro tem que haver um lugar (território), no qual um povo viva, usando determinada linguagem para seus membros interagir entre si. Mais tarde veremos que a tríade lingua(gem) - povo - território constitui a base para tudo na lingua(gem).
Uma segunda questão que se põe é a de se se trata de "linguagem" ou de "língua". Para as línguas germânicas, como o inglês, não haveria problema, uma vez que só têm um termo para as duas coisas. No inglês, por exemplo, language equivale tanto a "língua" quanto a "linguagem". Nas línguas româncias em geral (português, espanhol, francês, italiano, romeno etc.), é preciso especificar se estamos falando de uma ou de outra. No nosso caso, língua é o modo de os membros da comunidade se comunicarem entre si por meio de palavras, tanto oral quanto gestualmente, para incluir as línguas de sinais dos surdos. Ela é estudada pela linguística. Quanto a linguagem, é o como se dá a comunicação em geral nas mesmas circunstâncias. Vale dizer, linguagem inclui todo e qualquer modo de comunicação. Ela é estudada pela semiótica.
Quando a linguística estuda a língua da perspectiva de suas relações com o meio ambiente, recebe o nome de ecolinguística, que tem sido definida justamente como sendo o estudo das relações entre língua e meio ambiente. O estudo semiótico dos modos de comunicação em geral, levando em conta essas relações, recebe o nome de ecossemiótica.
No presente contexto, a distinção entre língua e linguagem não será muito importante. Eu vou falar só da língua. No entanto, às vezes posso usar a expressão "linguagem", sem que o entendimento fique prejudicado. Pus o termo "linguagem" no título para deixar essa abertura para a comunicação em sentido mais amplo, caso necessário. Para evitar dubiedades, vou usar as abreviaturas MA para "meio ambiente" e L para "língua(gem)".
Para quem se propõe estudar relações entre MA e L, ou entre L e MA, a pergunta inicial deve ser:
(1) O que é meio ambiente da língua(gem)?
Como já deve ter ficado claro, argumentar nos termos que foram usados até aqui mostra que estamos lidando com conceitos da ecologia. Pois bem, é nela que a ecolinguística (e a ecossemiótica) se baseia a fim de erigir suas bases epistemológicas. Assim sendo, a maneira mais natural de começar a responder a pergunta é averiguar o que vem a ser MA na ecologia biológica. Na verdade, essa ciência normalmente não usa a expressão "meio ambiente" como termo técnico. Em seu lugar, usa biótopo, que seria o conjunto dos aspectos físicos e químicos de determinado ambiente. Na ecologia social, por outro lado, o conceito de "meio ambiente" é mais usado do que biótopo ou equivalentes. Nesse caso, ele é entendido como "o agregado de coisas circunstantes, condições, ou influências, especialmente as que afetam a existência ou o desenvolvimento de alguém ou de algo", como está no Webster's Encyclopedic unabridged dictionary of the English language.
O "alguém" ou "algo" no caso são os organismos da biologia, e da ecologia. Como vemos nos manuais de introdução à ecologia, o todo formado por um conjunto de organismos e respectivo MA, em suas inter-relações mútuas, é o ecossistema. Isso equivale a dizer que os organismos se relacionam com o MA no interior do ecossistema. Repetindo, ecossistema consiste de uma população (P) de organismos em suas inter-relações entre si e com o respectivo MA, que pode ser entendido como biótopo, habitat/nicho ou território (T).
Sinoticamente, temos os seguintes conceitos ecológicos que serão usados na discussão das relações entre MA e L, com os equivalentes em ecolinguística:

Ecologia---------------------Ecolinguística
(a) ecossistema --------------(a') ecossistema linguístico
(b) população biológica----(b') população (P)
(c) biótopo, território (T)---(c') território (T)
(d) inter-relações (C)--------(d') língua/linguagem (L)

A partir dessa base, podemos discutir o que vem a ser meio ambiente da língua. O quadro de equivalências já deixa entrever que L se equipara às inter-relações que se dão no interior do ecossistema, em consonância com a definção dada acima. Com isso, faz-se necessário averiguar o que vem a ser ecossistema linguístico. Já deve ter ficado subentendido que ele é o todo formado por P, vivendo em determinado T e falando sua própria L, assunto que será discutido no tópico (2), mencionado logo a seguir. Quanto à letra (C) após inter-relações, indica que elas são os padrões de comportamento dos organismos que constituem a população.
Nas próximas postagens, vou tratar dos seguintes assuntos, entre outros: (1) O que é MA de L; (2) MA natural de L; (3) MA mental de L; (4) MA social de L; (5) A ecologia da interação comunicativa etc.
Para mais detalhes sobre minhas atividades, pode-se visitar os seguintes endereços: